quarta-feira, 10 de agosto de 2011


                                            
                        A beleza total
 
    A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços.
      A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa.
      O senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à Janela. A moça vivia confinada num salão em só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com a foto de Gertrudes sobre o peito.
      Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal:  a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um dia cerrou os olhos para sempre. Sua beleza saiu do corpo e ficou pairando imortal. O corpo já então enfezado de Gertrudes foi recolhido ao jazigo, e a beleza de Gertrudes continuou cintilando no salão fechado a sete chaves.

           Carlos Drummond de Andrade, Contos Plausíveis

Nenhum comentário:

Postar um comentário